quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Ponto Final - Baptista Bastos - DN

Durante sete anos, às quartas-feiras, publiquei no Diário de Notícias, a convite expresso de João Marcelino, uma crítica de costumes e hábitos. Foram sete anos excelentes, de trabalho entendido como tal, e de uma estima comum que se converteu em amizade. Marcelino é um jornalista com os princípios marcantes de outro tempo, de integridade a toda a prova e de uma cortesia e camaradagem que se perdeu quando as palavras foram substituídas por números, e quem dirigia foi trocado por porta-vozes estipendiados. Como a personagem de Sartre, "je suis irrécuperable" na certeza das minhas convicções sem certezas absolutas. Vivo, ainda hoje, sob o fascínio das palavras e do seu poder subversivo. João Marcelino pertencia, e pertence, a essa estirpe de jornalistas conhecedora de que só as palavras aproximam os homens e nos ensinam da sua imperfeita grandeza. Ele e a sua equipa fizeram de um jornal cinzento, pusilânime e obediente um empreendimento cultural honrado e limpo. Honro-me de ter participado no projecto a que já não pertenço por motivos a que sou alheio. Fui posto fora, mas não das palavras. Vou com elas, velhas amantes, para aonde haja um jornal que as queira e admita a indignação e a cólera como elementos de afecto, e sinais de esperança, de coragem e de tenacidade. Nunca João Marcelino admitiu recados nem aceitou encomendas enviesadas tendentes a amenizar o texto, portanto as ideias, do seu colaborador. Nos tempos que correm, o que em outros anteriores seria normal é, agora, virtude e coragem. Estou-lhe grato pela rectidão de carácter, tantas vezes demonstrada. Claro que também tive o suporte de milhares de leitores. O número foi crescendo na medida em que eles percebiam que o autor não envilecera com a idade nem amolecera as indignações com o peso e as ameaças da época sombria. Na edição digital do DN, as minhas crónicas chegaram a obter 15 mil visualizações, dezenas de impressões e de envios. Admiti, tola soberba!, que havia quem encontrasse nas palavras semanais uma ração de esperança, um apelo à não desistência e um aceno de confiança na força interior de cada um. Apenas relato, não lamurio. Mas não posso calar o que me parece um acto absurdo, somente justificado pelas ascensões de novos poderes. Porém, esses novos poderes são, eles próprios, transitórios pela natureza das suas mediocridades e pelo oportunismo das suas evidências. As palavras, meus dilectos, nunca são uma memória a fundo perdido. A pátria está um pouco exausta de tanta vilania, mas não soçobra porque há quem não queira. Se me aceitarem, estou entre esses. Não quero nem posso pôr um derradeiro ponto final no texto sem o dedicar a todos os que fizeram do Diário de Notícias o jornal que tem sido. E aos leitores que o ajudaram a ser.

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Tecniforma - Passos Coelho - Um texto de José Teófilo Duarte

PPD/PSD EMPREENDEDORISMO | A Tecnoforma pagava a Passos Coelho cinco mil euros por mês no período em que foi deputado? Há suspeitas de enriquecimento de Menezes enquanto estava na Câmara de Gaia? Cavaco comprou acções no BPN no tempo das contas gordas? Amigos e familiares aviaram o cartuxo enquanto foi tempo? Os fundos estruturais da Europa jorraram em apoios às ideias de reestruturação de amigos e amigos de amigos do Presidente então primeiro-ministro? O doutor Miguel Relvas negociou como se não houvesse amanhã e continua? E onde está a surpresa? O PPD/PSD não é um partido político; é uma empresa de sucesso. Parabéns a todos. www.blogoperatorio.blogspot.com

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

A Hidra - Baptista Bastos - in DN

Um espectro percorre Portugal: é o espectro da pobreza, da miséria moral, da fraude, da mentira, do embuste, da indecência, da ladroagem, da velhacaria. Este indecoro do BES foi o destapar do fétido tacho da pouca-vergonha. Os valores mais rudimentares das relações humanas pulverizaram-se. Já antes haviam sido atingidos por decepções constantes daqueles que ainda acreditavam na integridade de quem dirige, decide, organiza. Agora, o surto alcançou a fase mais sórdida. Creio que, depois de se conhecer toda a extensão desta burla, algo terá de acontecer. Com outra gente, com outros padrões, não com estes que se substituem, num jogo de paciências cujo resultado é sempre o mesmo. Mas esta afirmação pertence aos domínios da fé, não aos territórios das certezas. O Dr. Carlos Costa revelou ter avisado a família Espírito Santo de que ia ser removida. Na TVI, Marques Mendes, vinte e quatro horas antes, anunciara o cambalacho. Já destituído, Ricardo Salgado e os seus estabeleceram três negócios ruinosos para o banco, abrindo o buraco da vigarice para quase cinco mil milhões de euros. Quem são os outros cúmplices, e quais as razões explicativas de não estarem na cadeia? Enquanto o País mergulha num atoleiro, o Dr. Passos nada o crawl, com esfuziante aprazimento, nas doces águas algarvias. Há dias, afirmou que os contribuintes não serão onerados com as aldrabices dos outros. Mas já foi criado um chamado Fundo de Resolução, com dinheiro procedente, de viés, do nosso próprio dinheiro, embuçado na prestação de um grupo de bancos. Quanto ao extraordinário Dr. Cavaco, o reconhecimento generalizado da sua inutilidade como medianeiro de conflitos, e conivente com o que de mais detestável existe na sociedade portuguesa, converteu-se num lugar-comum. Foi o "sistema" que criou esta ordem de valores espúrios. Este poder dissolvente fez nascer, por todo o lado, a ideia do facilitismo, oposta às regras da convivência que estruturaram os princípios da nossa civilização, dando-lhe um sentido humano. Tudo é permitido, e esta noção brutal, inculcada por "ideólogos" estipendiados ou fanatizados concebeu as suas próprias regras. A impunidade nasce do "sistema", e Salgado é o resultado, não a causa, o resultado de um aproveitamento imoral estimulado pelas fórmulas dessa ordem de valores. Surpreendemo-nos com o comportamento de quem assim foi educado, porém temos de estudar e de analisar aquilo que os explica. O "sistema", em cuja origem está a raiz do mal, não carece de "regulação", exactamente porque a "regulação" nada resolve e apenas prolonga a crise sobre a crise. O capitalismo sabe e consegue simular a sua própria regeneração. Mas é uma hidra que se apoia em referências na aparência inexpugnáveis, realmente falaciosas. Enfim: o nosso dinheiro está à guarda de ladrões.

terça-feira, 24 de junho de 2014

Os Juízes que Vivem no Passado - Pedro Tadeu - DN

Brilhantes cabeças concluiram "viverem no passado" os juízes do Tribunal Constitucional que têm chumbado Orçamentos governamentais e, por isso, "não compreendem o mundo à sua volta".

Quem escolheu os senhores e as senhoras juízas para sentenciar constitucionalidades no Palácio Ratton foram aqueles que olham pelo nosso futuro, veem o mundo na sua ...grandeza, superiores. Sim, quem os escolheu foram os deputados dos grandes partidos (e do CDS-PP), foram os governantes, foi o Presidente da República... Sim, foram eles.

Essa gente, que compreende tão bem o planeta que nos rodeia, terá errado? Terá escolhido mal? Terá, na altura, achado que doutores capazes de olhar para a experiência do passado seria espécie recomendável para obter jurisprudência sensata? Terão alvitrado que o saber, afinal, implica olhar para trás?

E agora, confrontados com o resultado final, lendo a aplicação prática, decidida de beca em plenário, da cultura cívica e jurídica que discutiram, negociaram e elegeram, os nossos governantes constatam que o passado os está a assombrar? E tremem? E lamentam? E protestam?...

Como pode haver gente a viver no passado? Como?! Como se pode governar para quem quer viver com salários do passado? Como se pode governar para quem quer manter o sistema de saúde do passado? Como se pode governar para quem quer as pensões do passado? Como se pode governar para quem quer ter tantas escolas abertas como no passado? Como se pode governar para quem não quer piorar a vida que tinha no passado? E porque é que este passado foi há dois dias e todos se lembram dele?

Compreendo-os tão bem. Afinal, o mundo mudou, não é? O mundo agora é daqueles que vivem no presente, no subsídio de desemprego, no salário reduzido, na reforma cortada, no imposto aumentado, no tribunal de penhoras, na cadeira do jardim, na casa da mãe, na emigração, no medo, no psiquiatra, num copo de vinho.

Compreendo-os tão bem. Afinal, o futuro é brilhante, não é? O futuro é dos empreendedores sem dinheiro, dos exportadores sem produto, dos facilitadores sem barreiras, dos inovadores sem ideias, dos investidores sem dinheiro, dos trabalhadores sem trabalho. O futuro é não ter futuro e, depois, logo se vê.

Era bom viver sem passado, não era? Não havia direitos que fossem adquiridos. Não havia leis que não se pudessem mudar. Não havia limites a respeitar. Nem sequer havia dívida para pagar. Era tão mais fácil governar... Malditos juízes

quinta-feira, 12 de junho de 2014

Amanhás Que Choram - José Teófilo Duarte

AMANHÃS QUE CHORAM | Um dia acordamos e percebemos que as rádios, as televisões, os jornais, todos, sem excepção, anunciam que a democracia estava acima das nossas possibilidades. Os comentadores económicos mostram as provas com números mui...to precisos. Não era possível. Despesista e sem controle financeiro. Os políticos neoliberais avançam com mais ajustes para que a economia cresça ainda mais. Sim, porque o país está bem, agora que a democracia foi extinta. Há grupos económicos prósperos. Não há tribunais. Foram substituídos por uma comissão presidida pela professora de direito Teresa Leal Coelho. Assim, a austeridade é alargada. As empresas controlam o excesso de pessoal fazendo acordos com a polícia, que actua à mínima ameaça de paragem de produção. Marinho e Pinto é ministro da justiça. O poderoso lóbi gay foi erradicado. Miguel Relvas foi para a pasta da Educação desta junta de salvação que se formou para corrigir os erros da democracia. José Gomes Ferreira já apresentou o seu programa de governo à chanceler Merkel. O orçamento de estado foi elaborado por Medina Carreira que amanhã anuncia um novo pacote de austeridade. Anuncia não, põe em prática. Sem democracia já não são precisas essas palhaçadas. O doutor Oliveira Salazar vai ser condecorado a título póstumo no próximo 10 de Junho.
Viva Portugal.
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sábado, 7 de junho de 2014

Culpar o Tribunal Constitucional para esconder a incompetência.


Opinião
Fernando Madrinha
Culpar o árbitro
Quando um resultado não serve, culpa-se o árbitro. E quando as derrotas se sucedem, culpa-se o «sistema». É assim no futebol português e a política vai pelo mesmo caminho. Talvez chegue o dia em que a própria linguagem se torne tão malcheirosa como aquela com que o presidente do Sporting brindou as televisões esta semana.
Estava o país político entretido com a guerra pela liderança do PS e ainda embalado por uma saída tão limpa que o milagre parecia acontecer, quando um acórdão do Tribunal Constitucional veio chamar o Governo à realidade. Por mais que insista, a Constituição não está suspensa, o Tribunal existe e os juízes não são deputados da maioria, ao dispor para todos os fretes. Como se conjuga isto com a tutela externa e com aquele comissário europeu tão agastado por ter de lidar três vezes por ano com os «chumbos» do TC português? Não deve ser fácil.
Custa a crer, todavia, que um Governo cuja política de reformas se tem resumido aos cortes a eito, sabendo que os faz, reiteradamente, no limite da constitucionalidade das leis, não tenha um plano B. Decerto que o tem, mas ainda não quer que se saiba porque, desta vez, optou por enfrentar o árbitro. Primeiro, requerendo uma «aclaração» do acórdão, expediente inédito que alguns especialistas consideram improcedente à luz de alterações no Código do Processo Civil introduzidas há um ano pelo próprio Governo. Depois, entrando num crescendo de críticas aos juízes, com o primeiro-ministro a afirmar que é preciso escolhê-los melhor. Talvez impor-lhes, antes de eleitos, não que zelem pela Constituição, enquanto existir, mas que se dobrem perante o Governo em funções ou os partidos que os propõem para o cargo...
Nunca um primeiro-ministro chegou tão longe na afronta ao tribunal. Pode-se argumentar que também nenhum Executivo teve de governar no colete-de- forças em que este o faz, entre uma «troika» que despreza as instituições da República, no que é acompanhada pelo próprio Governo, e uma Constituição que garante o leite e o mel, mesmo quando deixam de correr. Mas isso não explica tudo. Se Passos seguiu este caminho foi porque lhe parece conveniente. Perante um PS em crise de liderança, testa a sua força política abalada pela derrota nas europeias e procura uma causa para insinuar, sem o admitir e talvez para nunca a concretizar, uma hipótese de demissão. Com a ameaça implícita de que uma crise, neste momento e nestas condições, encaminharia Portugal para o segundo resgate. É um jogo perigoso, a que também se pode dar o nome de chantagem – com o Tribunal, com o Presidente, com o país.
Cavaco Silva estava certo ao propor um acordo para eleições antecipadas nesta altura, oferta que o líder do PS, hoje talvez arrependido, não aceitou. Daqui em diante, o que se espera é o que está à vista: um manobrismo politiqueiro e eleitoralista em que vale tudo, com danos para as instituições e instabilidade crescente até às legislativas. Um ano para esquecer.

O líder anulado
António José Seguro pôs aquele ar sério e vagamente ameaçador ao dizer «habituem-se, porque isto mudou», mas o país ainda não sabia como o secretário-geral do PS tinha mudado. Foi preciso esperar por duas entrevistas televisivas para se perceber a metamorfose operada. O que agora nos aparece na TV é um Seguro renascido, a transpirar confiança e a debitar ideias em torrente para revigorar o sistema político. Mudou o tom, levantou a voz e apresenta-se como o mais dinâmico líder com que os socialistas podiam sonhar.
Tratando-se da mesma pessoa, até agora incapaz de um rasgo ou de uma ousadia fora da caixa em que o discurso e a pose estavam formatados, haverá quem se interrogue sobre se mudou de um dia para o outro – e tanto que hoje defende as primárias com o mesmo vigor com que antes as combateu -, ou se, como no teatro, apenas assumiu um novo papel. A explicação deu-a ele próprio: «Anulei-me durante três anos para manter a paz no PS».
Ora, um líder que é capaz de se «anular» e se dispõe a fazê-lo durante três longos anos para manter a paz no partido, quer dizer, para se manter no lugar, pode ser um actor de gabarito, mas não lidera coisa nenhuma. Limita-se a administrar as suas fraquezas. Seguro confessa-o, neste desabafo fatal.
É pena os chefes partidários não serem desafiados mais vezes por adversários internos, porque isso os obrigaria a não se «anularem», ou fazerem de conta. Tanto que, mal se sentiu inseguro, António José sacou de um arsenal de propostas que, assumidas noutro contexto, podiam tê-lo salvo das agruras que agora sofre. Até porque, muito provavelmente, os resultados das europeias seriam bem mais positivos para o PS.
As primárias são uma boa ideia que, tarde ou cedo, fará o seu caminho e as restantes iniciativas, apenas enunciadas – mudanças no sistema eleitoral, redução do número de deputados, combate à corrupção e à promiscuidade entre política e negócios – correspondem a necessidades já tão discutidas que se tornaram lugares-comuns. Parece que Seguro só se deu conta disso quando olhou para os resultados eleitorais e se viu confrontado com António Costa. Tarde de mais.
Tivesse o secretário-geral do PS aproveitado estes três anos para batalhar nas propostas que agora tirou da cartola à pressa e não teria chegado ao ponto a que chegou. Preferiu «anular-se», segundo afirma. Só pode queixar-se de si próprio


 

quinta-feira, 5 de junho de 2014

Pacheco Pereira e as eleições europeias.

 
1.O PS ganhou em número de votos, mas não ganhou as eleições, perdeu-as. E perdeu-as da pior forma possível, com um resultado tão colado ao malfadado governo que se confunde com ele no mesmo destino inglório. 

 2.O único efeito útil que pode vir para o PS deste resultado eleitoral é abrir caminho a uma mudança de liderança. Se tal acontecer, o mero efeito psicológico de se livrarem de Seguro dará força suficiente ao PS para aparecer como alternativa ao governo, polarizar a oposição e cortará qualquer dinâmica da coligação. 

 3. As próximas eleições legislativas são um acto crucial para o destino do país. São tudo menos a feijões, e quem pense que vai lá para ter mais um feijão do que o outro, está muito enganado sobre as circunstâncias de crise e urgência em que se move a política portuguesa. É que ou há mudança mesmo, ou então os que não querem a mudança, nem no PSD nem no PS, vão viver no meio de um crescendo de revolta, que já tem entre os seus alvos o sistema político-partidário, a “classe política”, a democracia. E na inexorável decadência dos partidos nacionais como eram o PSD e o PS. Como já se viu nas autárquicas e se vê nas europeias. 

 4. O que estava em causa nestas eleições era saber se o PS estava num crescimento dinâmico para ter uma maioria absoluta, ou perto disso, em 2015. E falhou completamente este teste. As eleições de 2015 exigem uma maioria que é o que a coligação PSD-CDS vai propor ao eleitorado. E o PS? A enorme “vitória” de ter mais 4%, ou seja nada? Nada, porque não serve para nada a não ser para o PS e o PSD se coligarem na fraqueza e numa lógica de pura sobrevivência das suas elites partidárias. Estamos mal hoje, estaremos então muito pior. 

 4. Qual é o português que se sente animado em substituir Passos Coelho por António José Seguro? Alguns, e estão todos no aparelho do PS. Vão batalhar até ao último minuto para o manter, porque ele é um deles e os protege. Como no PSD, estes dirigentes das “jotas”, há uma coisa que sabem muito bem fazer: é sobreviver e ascender na carreira da competição intra partidária. O que Seguro, ajudado por Assis, fez na noite das eleições é o roteiro mais que gasto de tentar impor um discurso sobre os resultados eleitorais que os defenda da óbvia percepção de que eles foram débeis, para não dizer maus. Na noite eleitoral, o PS de Seguro defendeu-se dos seus críticos internos e acantonou-se num discurso sem qualquer relação com a realidade. Até a coligação Aliança Portugal conseguiu ser menos defensiva, mesmo apesar de ter tido uma grande derrota. 

 5. Seguro foi a vingança divina que um Deus justo fez ao PS pela sua continuada arrogância intelectual. Durante décadas o PS andou a pavonear uma superioridade cultural e cívica sobre os outros partidos, em particular os da direita. Era com o PS que estavam os portugueses cultos e a intelectualidade, o professorado universitário, os artistas, os criadores, os cineastas, e não com esses ignaros ignorantes do PSD e do CDS. Era o “partido da cultura” e os outros pouco mais eram que analfabetos funcionais, incultos que não sabiam comer à mesa. Eles eram cosmopolitas, os outros provincianos. Volto a esse Deus justo, que de vez em quando aparece das trevas da injustiça, e que disse: “ai sim, pois então vão ter o Seguro como líder”. E um dirigente aparelhístico, dos da escola dos “trabalhos de casa”, que em condições normais deveria estar no palco lá atrás em 15ª lugar numa lista qualquer a gritar “e quem não salta é laranjinha”, com uma carreira e um pensamento medíocre, chegou a líder. A líder do PS. 

 6. Os resultados do PSD e CDS, sejam quais forem as debilidades do PS, são um desastre eleitoral de grandes proporções. Apenas não parecem piores porque cada vez mais combatem num campeonato dos médios e dos pequenos. Mas, para além de uma parte da abstenção ser uma recusa global do actual estado de coisas, logo em primeiro lugar dos partidos que estão no poder, cerca de setenta por cento dos portugueses votaram contra o PSD e CDS. Podem tê-lo feito de mil maneiras diferentes, votando Marinho Pinto, no PCP, e nos múltiplos pequenos partidos, no voto branco e nulo, e no PS. Mas votaram contra o governo, cujo núcleo de resistência está para os dois partidos muito abaixo dos trinta por cento. 

 7. Passos Coelho está a transformar o PSD num médio partido, eternamente destinado a viver em coligação com o CDS, que, não indo a votos, não sabe quanto pequeno já é. Portas tem consciência disso, até porque o seu partido tem menos aparelho e pode viver encostado, e ele mesmo está muito fragilizado. Passos Coelho e o seu grupo no PSD, não querem saber e não aprenderão nunca nada, desde que o conjunto de algumas centenas de quadros, cujas carreiras profissionais dependem do controlo do aparelho partidário, sobreviva sempre, seja o PSD um grande ou um médio partido. Só que a decadência do PSD deixa um enorme vazio na política portuguesa, a de um partido com pulsão reformista, moderado e que fala para o centro esquerda e o centro direita. O PSD, partido médio, estará à direita. 

 AS ELEIÇÕES QUE FORAM EUROPEIAS 

 O voto contra o actual estado de coisas na União Europeia é, em primeiro lugar, o da enorme abstenção. Em segundo lugar, é o dos partidos eurocépticos e de extrema-direita. E se a abstenção não foi maior foi porque em muitos países estas eleições foram instrumentais para punir governos nacionais. E não adianta dizer que afinal a abstenção não subiu muito desde as últimas europeias, porque não só subiu, como subiu a partir de patamares que já se consideravam catastróficos. O chamado “projecto europeu”, na sua variante actual, tem hoje muito menos legitimidade política e democrática.



sábado, 10 de maio de 2014

Petição Contra a Cimeira da Troika no dia das eleições.

Está marcado para dia 25 de Maio, dia das eleições para o Parlamento Europeu, o início de um fórum do Banco Central Europeu, em Lisboa, com a presença dos presidentes do FMI, BCE e Comissão Europeia – precisamente os organismos internacionais que constituem a troika. A realização desta cimeira, com estes participantes e no dia das eleições, contrasta e viola os princípios de isenção, imparcialidade e neutralidade a que a lei eleitoral obriga todas as instituições e tem contornos de intromissão na vida política portuguesa que beliscam os valores da soberania e dignidade nacionais. Os signatários recusam qualquer tentativa de ingerência na escolha livre e democrática dos portugueses e, em nome do respeito pela lei e pela democracia eleitoral, reclamam das autoridades portuguesas, a saber, Comissão Nacional de Eleições, Governo e Presidente da República, que não autorizem a realização, em Lisboa e no dia 25 de Maio, do fórum do BCE. Primeiros signatários: Boaventura Sousa Santos, Fernando Rosas, José Manuel Mendes, Manuel Alegre, Manuel Carvalho da Silva, Mário Soares, Pilar del Río, Vasco Lourenço.

quarta-feira, 7 de maio de 2014

O FMI e Passos Coelho

O que é que, segundo o FMI, falta fazer para que o “ajustamento” português seja o “sucesso” absoluto, mesmo que, no fim de contas nenhum dos grandes números, deficit e dívida, tenha mudado de forma sustentável, ou não se tenha agravado? Mais do mesmo, dito de modo tecnocrático, que “as ineficiências remanescentes no mercado de trabalho [não possam] aumentar o risco de uma retoma com pouca criação de emprego, à medida que a economia ganha velocidade”, ou seja em português corrente, facilitar os despedimentos. 

Mais ainda: precisamos de baixar mais os salários, garantindo “uma subida substancial na proporção de trabalhadores com reduções dos salários”. Precisamos ir mais longe nas ”mudanças no código do trabalho feitas através da aplicação do programa”, de modo a facilitar os despedimentos individuais, demasiados difíceis para a vontade do FMI. Ao mesmo tempo, deve acelerar-se o fim dos acordos colectivos de trabalho, que, saliente-se, são acordados entre trabalhadores e entidades patronais, para que um novo ciclo de negociações seja “mais condizente com a situação da economia”, ou seja, haja menores salários. 

E depois, a cereja em cima do bolo, mais uma vez se defende a redução das indemnizações por “despedimentos ilegais”, de modo a aproximarem-se das dos despedimentos legais. Reparem nesta coisa muito interessante desta proposta, o objectivo é que a violação da lei possa ficar mais barata. Isto é que é um estado de direito! Pensava eu, que quem despedia “ilegalmente” não podia, uma vez verificada a ilegalidade, despedir. Mas não, é uma questão de preço: é apenas mais caro despedir “ilegalmente”, o que revolta o FMI. Dito de outro modo, podes cometer um crime, pagas é só um pouco mais por isso. Isto não é economia, é “luta de classes”. Depois queixem-se. O problema é que não há nenhuma indicação de que o que diz o FMI não seja o que Passos Coelho e o seu grupo pensam. Bem pelo contrário. Esta é que é a política real. O resto é virtual.

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

O Governo, o PSD e o CDS, e todos os apoiantes do “ajustamento” na versão troika-Gaspar-Passos, obtiveram uma importante vitória política ao levarem o PS a assinar um acordo a pretexto do IRC. Foi um dia grande. “Rejubilai”, dizem os anjos do “ajustamento”. Dizem bem.

Nesse mesmo dia, os professores contratados foram abandonados pelo PS, que apenas pediu uma pífia “suspensão” da prova, e os trabalhadores dos Estaleiros de Viana, que marcharam pelas ruas de Lisboa com as suas famílias, a caminho da miséria, não merecem nem um levantar de sobrancelhas dos doutos conselheiros económicos do “líder” Seguro. O PS, que tinha já enormes responsabilidades na situação actual de ambos os sectores profissionais, agora mostrou de novo por que razão não é confiável como partido de oposição, mas, pelo contrário, é confiável, pela mão de Seguro, para lá de muitas encenações, para os que mandam em Portugal, sempre os mesmos.

É que o acordo sobre o IRC não é sobre o IRC. O IRC, repito, foi o pretexto. Aliás, a pergunta mais simples a fazer, a óbvia, aquela que a comunicação social, se não estivesse subjugada à agenda e aos termos dessa agenda do poder político dominante, faria é esta: por que razão é que um acordo deste tipo não veio da Concertação Social, mas de conversações entre os dois partidos? Por que razão é que o Governo nunca esteve disposto a fazer este tipo de cedências diante da CCP ou da UGT, já para não dizer da CIP e da CGTP, mas está disposto a fazê-lo com o PS? Ou, dito de outra maneira, que vantagem tem o Governo em fazer este acordo com um partido da oposição e não com os parceiros sociais? Ou ainda melhor: o que é que o PSD e o CDS obtiveram do PS que justificou este remendo, aliás, pequeno e de pouca consequência, na sua política? É que, convém lembrar, o Governo não precisava do voto do PS para passar esta legislação, e é por isso que o único ganho de causa é o do Governo.
 
O acordo foi um acordo político de fundo que amarra o PS a sistemáticas pressões governamentais e outras, para que passe a ser parte do “consenso” que legitime a actual política. O que está em causa é algo que seria, se as classificações ideológicas tivessem alguma correspondência com a realidade, inaceitável por um partido socialista, como o é para um social-democrata, moderado que seja. O sentido de fundo do “ajustamento” está muito para além do resolver os problemas mais imediatos do défice ou da dívida, mas traduz-se numa significativa alteração das relações sociais a favor dos senhores da economia financeira, em detrimento daquilo que a maioria da população, classe média e trabalhadores, remediados e pobres, tinham conseguido nos últimos 40 anos.
 
O que marcará com um rastro profundo Portugal para muitos anos é acima de tudo essa transferência de poder, recursos e riqueza na sociedade. Ela faz-se pela mudança de fundo no terreno laboral, com a aquiescência do PS – recorde-se que aceitou sem críticas o acordo assinado pela UGT –, com a fragilização das relações entre trabalhadores, o elo mais fraco, e o patronato, o esmagamento da classe média pelo assalto à função pública, aos salários, reformas e pensões. A destruição unilateral dos “direitos adquiridos” destinou-se não apenas a garantir essa enorme transferência de recursos, mas acima de tudo a enfraquecer o poder social dos trabalhadores, dos funcionários públicos, dos detentores de direitos sociais.
 
 No passado podia haver pobres, estes tinham, porém, a possibilidade de ter uma dinâmica social e política para saírem da pobreza, uma capacidade de inverterem as relações sociais que lhes eram desfavoráveis. Eram pobres, mas não estavam condenados à pobreza. Era isso a que se chamava “a melhoria social”, num contexto de mobilidade e num contrato social que permitia haver adquiridos. Agora tudo isso aparece como um esbanjamento inaceitável, e o que hoje se pretende é que os pobres, cada vez mais engrossados pela antiga classe média, sejam condenados à sua condição de pobreza em nome de uma crítica moral ao facto de “viverem acima das suas posses”, perdendo ou tornando inútil os instrumentos que tinham para a sua ascensão social, a começar pela educação, pela casa própria, e a acabar nas manifestações e protestos cívicos, as greves e outras formas de resistência social. É um conflito de poder social que atravessa toda a sociedade e que se trava também nas ideias e nas palavras, em que a comunicação social é um palco determinante, com a manipulação das notícias, a substituição da informação pelo marketing e pela propaganda. E o PS escolheu estar ao lado dos “ajustadores”.
 
Pode-se argumentar que a “cedência” do PS permitiu algum alívio às pequenas e médias empresas, e que por isso há um ganho de causa. Talvez, e isso seria bom, se fosse apenas isso. Mas o que o PS cedeu é muito mais do que isso: é um contributo decisivo para manter a actual política em tudo o que é fundamental, a começar pela prioridade do alívio às empresas e aos negócios em detrimento das pessoas e do consumo. O PS enfileirou no núcleo duro do discurso governamental, mais sensível às empresas do que às pessoas, aceitando que, a haver abaixamento dos impostos, ele deve começar pelas empresas e não pelos indivíduos e as famílias, pelo IRC e não pelo IRS e pelo IVA.
Eu conheço a lengalenga de que os benefícios às empresas, à “economia”, são a melhor maneira de beneficiar as pessoas, e que é a “vitalidade” da economia que pode permitir todos saírem da crise. Em abstracto, poderia ser assim, no nosso concreto, não é. Chamo-lhe "lengalenga" porque no actual contexto a inversão muito significativa dos poderes sociais torna muito desigual a distribuição de benesses oriundas deste tipo de medidas, reforça os mais fortes como um rio caudaloso e chega tardiamente e sem mudar nada, como um fio de água, aos que mais precisam. E a outra verdade que tem que ser dita é que este tipo de acordo no IRC vai tornar mais difícil que haja uma diminuição significativa do IRS ou do IVA, ou seja, quem vai pagar os benefícios a algumas empresas são outras empresas mais em risco e as pessoas e as famílias.

Numa altura em que a campanha eleitoral para as europeias e a, mais distante, das legislativas são já um elemento central das preocupações partidárias do PSD e do CDS, o PS deu-lhes um importante trunfo político, e um sinal de que não confia nas suas próprias forças para ganhar as eleições e muito menos governar sozinho. Um acordo PS-PSD feito pela fraqueza e assente na continuidade da política actual prenuncia apenas que, seja o PS, seja o PSD, a governarem em 2015, cada um procurará no outro um seu aliado natural, não para uma política de reformas, mas para garantir a política que interessa ao sector financeiro, que capturou de há muito a decisão política em Portugal. 
 
O PS de Seguro mostrou que não é confiável como partido da oposição e que ou não percebe o sentido de fundo da actual política de “ajustamento”, de que este abaixamento do IRC é um mero epifenómeno, ou, pelo contrário, percebe bem de mais e quer ser parte dela. Inclino-me, há muito, para a segunda versão. Seguro e os seus criaditos diligentes estão ali para servirem as refeições aos que mandam, convencidos que as librés que vestem são fardas de gala num palanque imaginário. Vão ter muitas palmas e responder com muitos salamaleques.
 
Estamos assim.