quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Poema dos Dons - Jorge Luis Borges

Quero dar graças ao Divino
Labirinto dos efeitos e das causas
Pela diversidade das criaturas
Que formam este singular universo,
Pela razão, que não cessará de sonhar
Com um plano do labirinto,
Pelo rosto de Helena e a perseverança de Ulisses,
Pelo amor que nos deixa ver os outros
Tal como os vê a divindade,
Pelo firme diamante e pela água solta,
Pela álgebra, palácio de precisos cristais,
Pelas místicas moedas de Ângelus Silesius,
Por Schopenhauer,
Que talvez tenha decifrado o universo,
Pelo fulgor do fogo
Que nenhum ser humano pode olhar sem
um assombro antigo,

Pela carnaúba, o cedro e o sândalo,
Pelo pão e pelo sal,
Pelo mistério da rosa,
Que prodiga cor e que não a vê,
Por certas vésperas e dias de 1955,
Pelos rijos tropeiros que na planura
Arreiam os animais e a aurora,
Pelas manhãs de Montevidéu,
Pela arte da amizade,
Pelo último dia de Sócrates,
Pelas palavras que num crepúsculo foram ditas
De uma cruz a outra cruz,
Por aquele sonho do Islã que abarcou
Mil noites e uma noite,
Por aquele outro sonho do inferno,
Da torre do fogo que purifica
E das estrelas gloriosas,
Por Swedenborg,
Que conversava com os anjos nas ruas de Londres,
Pelos rios secretos e imemoriais
Que convergem em mim,
Pelo idioma que, faz séculos, falei
na Nortúmbria,

Pela espada e pela harpa dos saxões,
Pelo mar, que é um deserto resplandecente
E um número de coisas que não sabemos,
Pela música verbal da Inglaterra,
Pela música verbal da Alemanha,
Pelo ouro, que resplende nos versos,
Pelo épico inverno,
Pelo título de um livro que não li: 'Gesta Dei per Francos',
Por Verlaine, inocente como os pássaros,
Pelo prisma de cristal e o pêndulo de bronze,
Pelas listras do tigre,
Pelas altas torres de São Francisco e da Ilha de Manhattan,
Pela manhã no Texas,
Por aquele sevilhano que redigiu a Epístola Moral
E cujo nome, como ele teria preferido, ignoramos,
Por Sêneca e Lucano, de Córdoba,
Que antes do espanhol escreveram
Toda a literatura espanhola,
Pelo jogo de xadrez, geométrico e bizarro,

Pela tartaruga de Zenão e o mapa de Royce,
Pelo cheiro medicinal dos eucaliptos,
Pela linguagem, que pode simular a sapiência,
Pelo esquecimento, que anula ou modifica o passado,
Pelo hábito,
Que nos repete e confirma como um espelho,
Pela manhã, que nos depara a ilusão de um começo,
Pela noite, sua treva e sua astronomia,
Pela coragem e a felicidade dos outros,
Pela pátria, percebida nos jasmins
Ou numa espada velha,
Por Whitman e Francisco de Assis, que já escreveram o poema,
Pelo fato de que o poema é inesgotável
E se confunde com a soma das criaturas
E não chegará jamais ao último verso
E varia como os homens,
Por Frances Haslam, que pediu perdão a seus filhos
Por morrer tão devagar,
Pelos minutos que precedem o sono,
Pelo sono e a morte,
Esses dois tesouros ocultos,
Pelos íntimos dons que não enumero,
Pela música, misteriosa forma do tempo.

4 comentários:

  1. Nossa! Acho que não faltou nada.
    Eu acrescentaria o cheiro de terra molhada após a chuva, aliás, quem um dia conseguir reproduzir este cheiro e colocar dentro de um vidrinho...
    "Pela coragem e a felicidade dos outros" este trecho em especial, quantas coisas temos vontade de fazer e por algum motivo ficamos inibidos, quando outro alguém o faz... é como se fosse nosso próprio feito (vendo pelo lado otimista).

    Viajei no poema, lindo e belo.
    Abraço.

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  2. Fiquei sem fala! Simplesmente belo e digo que esse sonho é que vale a pena... Ou seja do real acontecimento: Labirinto dos efeitos e das causas... Gosto de fazer planos em cima daquilo que posso realizar, não de sonhos impossíveis. Frustração já tenho muitas; politica, crise...
    Porém, tenho esperança.
    ...Pela razão, que não cessará de sonhar,
    Com um plano do labirinto,

    Eu prefiro o plano, o sonho só no sono. E se eu acordar, farei outros planos.

    Bjos.

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  3. Jorge
    Eu adorei
    Mas acrescenta uma passagem pelo Brasil.
    Eu ia adorar!
    com carinho Monica

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  4. Jorge Luis Borges um nome que engrandece o Brasil !!!!!!!!
    O mesmo não se pode dizer de quem nos governa e de quem nos mente todos os dias:
    = 1º já se cansou em mês e meio já vai de férias e afina l a Assembleia também: Para quê mentir ?
    Este último aproveitou ir de férias ( viva o luxo ) para nos chatear com "Uma pequena reflexão de Verão" (clicar). Está no seu direito, chatear-nos...já ir de férias pia mais fino.
    É que o senhor está em funções ainda não vai para dois meses e já está a tirar férias !!??
    Eu ainda sou do tempo em que quando se entrava num emprego não tinhamos direito a férias a não ser ao fim de um ano de casa, vá lá seis meses e na parte proporcional. Havia as férias vencidas e as vindouras, verdadeiras delícias que se notavam no subsídio de férias.
    Pelos vistos a chamada flexibilização da chamada legislação laboral facilitou o gozo de férias...pelo menos ao 1º ministro.
    Compreendo que queira recuperar o "papel de marido e pai" ( que ternura ), mesmo que seja só durante uns dias. Mas o que é que nós temos a ver com isso ?
    Que goze as férias, mesmo não devidas e não merecidas.

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