Notícias da infâmia e da indignidade
A notícia tem dois dias: há mais de um milhão de desempregados em Portugal. Novo marco histórico. Envolvidos no imbróglio das "secretas" e das desmembradas declarações do primeiro-ministro, negligenciamos a tragédia que se abateu no País. Tragédia, acentuo. Não só pelo assustador e crescente número de portugueses sem trabalho, e das consequências sobre as suas famílias, como pela quantidade de suicídios, cuja exactidão se desconhece. "E é urgente que isto se saiba", disse, na televisão, um sociólogo. A verdade é que se manifesta uma estranha omissão relativamente a este problema. Mas que ele existe, existe.
O desemprego subiu para 14,9%; no entanto, interrogado pelos jornalistas, logo que o facto se tornou público, o primeiro-ministro encolheu os ombros. Por outro lado, incapazes de enfrentar, com clareza, o flagelo, logo os tenores do Governo tentaram, em tolas afirmações, amenizar a sua dimensão. O Governo, disseram, está a estudar "medidas" para resolver o assunto. [A propósito, e para esclarecimento dos distraídos e dos ignorantes, quem "toma medidas" são os alfaiates]. Não resolve coisíssima nenhuma porque não sabe e porque não pode. Não pode porque a troika o não permite e não sabe porque, simplesmente, não sabe contornar ou alterar o sistema ideológico em que se enredou, com ou sem vontade.
Em democracia não há "inevitabilidade." O próprio conceito é redutor e só é associável a essa subtil inversão de valores e de padrões que o neoliberalismo trouxe consigo. O marketing político, muito bem organizado e estatuído, inculcou a ideia de que o "fim da história" determinava um novo paradigma. É uma teoria astuta e maquiavélica, que promove o empobrecimento dos povos identificando-o como um futuro bem-estar. E o pior é que as vítimas desse processo submetem-se, forçadas a acreditar neste absurdo.
Naturalmente, as coisas não podem continuar neste estado. Os acontecimentos na Grécia são demasiado significativos para que lhes não prestemos grande atenção. Bastou um partido de Esquerda, o Syriza, bater com o pé e dizer que não pagava as dívidas de outros para que o baralho de cartas se desmoronasse. A velada ameaça da saída do país da Europa e do euro bastou para que os grandes bancos, especialmente os alemães, recuassem nas exigências. Quem perde, se os gregos voltarem ao dracma? Eles, também, mas os "credores" muito mais. O próprio "Financial Times", bíblia do conservadorismo, já avisou que o problema só é de fácil solução se "os poderes da Terra" [os financeiros e os económicos] o desejarem. Note-se que o importante jornal não alude, sequer, a decisões "políticas."
A verdade é que a solução se encontra no "político": mas os políticos actuais estão todos, de uma forma ou outra, enfeudados à doutrina que impõe como "normalidade" o que é, averiguadamente, uma anomalia e uma aberração. É normal que o emprego grasse, como endemia, põe quase toda a Europa, sem haver quem o trave e solucione? Claro que não é normal. Como escreveu Serge Latouche, num ensaio, "Que Ética e Economia Mundiais - Justiça sem Limites", notável a vários títulos, "O universalismo dos valores acaba por se esboroar diante da lógica amoral da globalização."
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